Do erro quanto ao objeto do contrato e suas consequências

Em 2012 uma senhora idosa viúva e sem filhos colocou uma placa de ‘Vende-se’ na garagem de sua casa no afã de pegar o dinheiro, comprar um imóvel menor e com o restante cuidar de sua saúde.

Dias depois foi procurada por um homem que se dizia um rico fazendeiro do Estado de Goiás. O homem apareceu em uma caminhonete de luxo, muito bem vestido.

O suposto fazendeiro disse que tinha interesse em comprar a casa para construir nela um escritório. Disse ainda que ao invés de pagar o valor estipulado pela vendedora do imóvel poderia fazer com ela um contrato de permuta, no qual ela passaria para ele a casa e ele em troca lhe transferiria alguns lotes situados em uma cidade do interior.

De acordo com o suposto fazendeiro os lotes valiam mais que a casa da incauta vendedora e que após a venda dos mesmos e a compra de sua futura residência, lhe sobraria uma quantia que se devidamente aplicada, poderia lhe proporcionar conforto por alguns anos.

A vendedora pediu para ver os lotes, mas o comprador nunca tinha tempo para levá-la até lá. Sendo assim, no afã de convencê-la levou para ela toda a documentação dos imóveis, fotos tiradas do google earth e uma avaliação feita por um amigo seu.

Encantada com as promessas do suposto fazendeiro a vendedora da casa ‘fechou negócio’ e com ele selou um contrato de permuta.

Na semana seguinte um parente distante veio visitá-la e a levou até a cidade onde localizavam-se os lotes. Para sua surpresa foi informada pelo dono de uma imobiliária local que os lotes valiam um décimo do prometido pelo comprador e que estariam a venda há vários anos.

A vendedora descobre então, ter sido vítima de um golpe e através dele ter perdido seu único bem.

Dias depois o comprador da casa aparece e exige que a senhora a desocupe sob pena de ingressar na justiça.

A partir de então, tem-se início a uma ação anulatória movida pela vendedora da casa com o escopo de provar que foi levada a erro quanto ao objeto do contrato.

São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial, assim como dispõe o art. 138 do Código Civil.

Configura o erro a falsa noção sobre o objeto do negócio. Sendo assim, nos exatos termos do que enuncia o artigo 138 e seguintes, desde que o ato negocial seja viciado por erro ou ignorância, será passível de anulação por existir deturpação da manifestação de vontade das partes.

O erro é uma noção inexata sobre um objeto, que influencia a formação de vontade do declarante, que a emitirá de maneira diversa da que a manifestaria se dele tivesse conhecimento exato. M. De Carvalho Santos, (in Código Civil Brasileiro Interpretado, Vol. II, 12ª Ed.), ao interpretar o art. 86 do Código, citando Clóvis Beviláqua, assim se expressa: “o erro para viciar a vontade deve ser tal que, sem ele o ato não se celebraria”. DARCY ARRUDA MIRANDA, (in Anotações ao Código Civil Brasileiro, 1º Vol. Pág. 63, 2ª Ed. 1986), Comentando o aludido artigo, assevera: “O erro importa em sua discordância entre a vontade interna e a vontade declarada.”

Já Caio Mário da Silva Pereira, (in Instituições de Direito Civil, Vol. I, 10ª Ed., 1987, págs. 350 a359), discorrendo sobre a Teoria dos Defeitos dos Negócios Jurídicos, assevera:

“O mais elementar dos vícios do consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede erro. No negócio jurídico inquinado de erro há uma vontade declarada, porém defeituosa.”

Orlando Gomes, (in Introdução ao Código Civil, Vol. I, 5º Ed., 1977, pág. 507), sobre a rubrica “Defeitos dos Negócios Jurídicos”, leciona:

“O erro é uma falta de representação que influencia a vontade no processo ou na fase da formação. Influi na vontade do declarante, impedindo que se forme em consonância com sua verdadeira motivação. Tendo sobre um fato ou sobre um preceito noção inexata ou incompleta, o agente emite sua vontade de modo diverso do que a manifestaria, se deles tivesse conhecimento exato, ou completo.”

O Prof. João Casillo, (in O erro Vício da Vontade, Edição 1982, RT-SP), dissertando no tema: Teorias sobre o Erro na Vontade escreve:

“Se houver discrepância entre a vontade declarada e a vontade interna ou se a vontade já nasceu defeituosa, haverá vício da vontade. Toda vez que a vontade for defeituosa por obra exclusiva do agente, temos erro, e se esta vontade foi manifestada num ato jurídico, o Direito tem interesse por este vício do consentimento.”(pág…)”… É o que se reverte de tal significado, de tal importância, que se o agente soubesse que estava obrando em erro, se soubesse realmente a verdade sobre os fatos, não teria externado sua vontade daquela forma. É o erro de cuja consciência impediria o agente de praticar o ato se o conhecesse.”

Ademais, a anulação de um negócio só é possível se o mesmo for substancial, escusável e real. Substancial, no sentido de que o erro deve recair sobre circunstancia de fato, ou seja, sobre as qualidades essenciais da pessoa ou da coisa. Escusável, porque se faz necessário um fundamento, uma razão plausível capaz de levar qualquer pessoa a cometê-lo, em face das circunstâncias do negócio. Real, por importar efetivo dano ao interessado. Há quem acredite ser irrelevante o erro escusável eis que nosso sistema jurídico adota o princípio da confiança, cuja violação por si só já gera a nulidade da avença, assim como veremos a seguir.

Outrossim, determina o inciso I do art. 139 do Código Civil:

“Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais

(…)”

Veja que no presente caso, o erro ocorreu sobre a qualidade essencial do objeto do contrato, eis que o objeto não era o pretendido pela vendedora, já que valia 10 vezes menos que o anunciado pelo comprador. Enunciam os artigos 138 e 171, II:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Neste sentido entende a jurisprudência pátria:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. IMÓVEL. LOCALIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE SÓLIDA POSIÇÃO NO MERCADO. ERRO INESCUSÁVEL. 1. Não se há falar em omissão em acórdão que deixa de analisar o segundo pedido do autor, cujo acolhimento depende da procedência do primeiro (cumulação de pedidos própria sucessiva).2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria.3. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira de sólida posição no mercado, tenha descurado-se das cautelas ordinárias à celebração de negócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de imóvel rural em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel cuja área encontrava-se deslocada topograficamente daquela constante em sua matrícula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa imperdoável do próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade desenvolvida.4. Diante da improcedência dos pedidos deduzidos na exordial – inexistindo, por consequência, condenação -, mostra-se de rigor a incidência do § 4º do art. 20 do CPC, que permite o arbitramento por equidade. Provimento do recurso especial apenas nesse ponto.5. Recurso especial parcialmente provido.(REsp 744311 / MT – RECURSO ESPECIAL 2005/0064667-5; Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA: Data do Julgamento: 19/08/2010; Data da Publicação/Fonte: DJe 09/09/2010) – grifo nosso

“DUAS APELACOES CIVEIS. AÇÃO ANULATORIA DE REGISTRO PÚBLICO E REVOGACAO DE INSTRUMENTO PROCURATORIO. DOIS RECURSOS DA MESMA SENTENCA AFRONTA O PRINCIPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. O PRINCIPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE OU SINGULARIDADE VEDA A POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE MAIS DE UM RECURSO CONTRA O MESMO ATO JUDICIAL. II – DECADENCIA. PRESCRIÇÃO. AUSENCIA DE CONSENTIMENTO. PADECENDO O ATO DE UM DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA A SUA VALIDADE, QUAL SEJA, O CONSENTIMENTO, IMPLICA EM VICIO INSANAVEL, PORTANTO, NAO ENSEJA O FLUENCIA DE PRAZO PRESCRICIONAL E MUITO MENOS DECADENCIAL. III – SENTENCA TECNICAMENTE PERFEITA. QUANDO O COMANDO JUDICIAL ENCONTRA-SE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO, RESPEITANDO O ART. 131, DO CPC, E HOUVER ANALISADO AS QUESTOES POSTAS EM JUÍZO E ESTIVER DENTRO DOS LIMITES DO PEDIDO, NAO SERA NULA, NEM CITRA E NEM ULTRA PETITA. IV – NULIDADE DO REGISTRO PÚBLICO EM CAUSA PROPRIA. COMPROVADA A AUSENCIA DE CONSENTIMENTO E A EXISTÊNCIA DE PREÇO VIL, FLAGRANTE O ERRO SUBSTANCIAL A VICIAR O ATO, JUSTIFICANDO A ANULAÇÃO DO REGISTRO PÚBLICO E A REVOGAÇÃO DO INSTRUMENTO PROCURATÓRIO, AINDA QUE TENHA SIDO NA MODALIDADE DA CAUSA PRÓPRIA. PRIMEIRO APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. SEGUNDO APELO NÃO CONHECIDO.” (TJGO; 3ª Câmara Cível; DJ 14972 de 02/04/2007; Relator Eudelcio Machado Fagundes; 102136-5/188 – APELAÇÃO CÍVEL) – grifo nosso

Ante a prova do erro substancial a que foi induzida a vendedora da casa consubstanciada no laudo de avaliação dos bens e nos testemunhos dos vizinhos testemunhas, o negócio foi anulado em se de primeiro grau ser anulado e encontra-se atualmente em fase de recurso.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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