Ação para obrigar o Estado a fornecer um medicamento cuja comercialização não foi autorizada pela Anvisa

O direito à vida trata-se de uma garantia constitucional prevista no caput do artigo da Carta Magna, in verbis: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Da mesma forma o artigo 6º: “Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A intenção do legislador de blindar constitucionalmente valores como vida e saúde foi tamanha que mais adiante assim determinou: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Resta patente, portanto, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deve garanti-la efetivamente ao invés de apenas veicular na mídia propagandas inverídicas da realidade da saúde, dentre outras. Afora isso, cumpre mencionar o direito à vida, mais sagrado de todos, fundamental, em muitos casos é desacatado frente a negativa de fornecimento do único medicamento que pode salvar a vida de alguém.

Existe vários tipos de câncer. Um deles, o mieloma, vem sido tratado na maior parte do mundo com um medicamento chamado revlimid ou lenalidomida. Entretanto, tal medicamento necessita ser importado eis que a Anvisa não autorizou, ainda sua comercialização.

Ocorre que em muitos casos esse medicamento é a única chance de sobrevivência do paciente, que muitas vezes já exauriu todos os tratamentos possíveis. O organismo não reage mais aos outros tratamentos. Por isso, a negativa de fornecimento viola os ditames da Constituição Federal.

Ademais, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA assim já decidiu: Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor (REsp nº 1.053.810/SP – Ministra relatora Nancy Andrigh).

No intuito de isentar-se da responsabilidade de fornecer o REVLIMID o Estado pode, aduzir que as drogas para o combate de câncer não fazem mais parte da lista de medicamentos excepcionais. Isso, sob o argumento de que esses medicamentos devem ser fornecidos diretamente pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, cadastrados no SUS.

É importante dizer que a introdução do REVLIMID em muitos casos se constitui meio de prolongar e dar qualidade de vida. A ninguém é dada a prerrogativa de retirar de um paciente o direito de lutar pela sua própria vida.

Outrossim, a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida (CF, art. , caput). Esta compreende não só o direito de continuar vivo, mas de ter uma subsistência digna. Por essa razão, o direito à vida deve ser entendido em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. , III). Vejamos: A dignidade da pessoa humana, em si, não é um direito fundamental, mas sim um atributo a todo ser humano. Todavia, existe uma relação de mútua dependência entre ela e os direitos fundamentais. Ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais surgiram como uma exigência da dignidade de proporcionar um pleno desenvolvimento da pessoa humana, somente através da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada e protegida (Marcelo Novelino Camargo – Direito Constitucional para concursos. Rio de janeiro. Editora forense, 2007 pág. 160).

Assim sendo, a saúde como um bem precípuo para a vida e a dignidade humana, foi elevada pela Constituição Federal à condição de direito fundamental da pessoa humana. A carta magna, preocupada em garantir a todos uma existência digna, observando-se o bem estar e a justiça social, tratou de incluir a saúde com um dos pilares da Ordem Social (art. 196). JOSÉ AFONSO DA SILVA diz o seguinte: É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais (Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª edição, p. 307).

O Conselho Regional de Medicina do Paraná, no Processo de Consulta nº 006/2011, que teve como parecerista o Conselheiro Alexandre Gustavo Bley, em relação à utilização do medicamento Revlimid (lenalidomida), apresenta a seguinte conclusão: Diante do exposto, entendo que existe amparo científico para a utilização da Lenalidomida, tornando-se uma prescrição ética, porém sem registro oficial em nosso país. Nada impede de que seja feito um protocolo de pesquisa, desde que os postulados éticos referidos sejam observados. O médico, dentro deste protocolo tem sua autonomia garantida, visando o bem estar do seu paciente, que está acima de qualquer impeditivo burocrático.

Não há que se falar, outrossim, que o Revlimid é um medicamento de uso experimental, pois, conforme já exposto, foi aprovado nos Estados Unidos e na União Européia. No mais, tratamento experimental é, tão somente, aquele sem base científica alguma, sem respaldo na literatura médica e não sendo ministrado em pacientes em situação similar. Um catálogo administrativo, qualquer que seja, não pode, evidentemente, acompanhar os avanços da medicina e não pode ser tido como definidor de todos meios curativos possíveis e viáveis, o que, por certo lapso, em detrimento da cura de enfermos ou, ao menos, da amenização de seus males, deixaria de lado todos os medicamentos novos e decorrentes de avanços nas pesquisas científicas (Cf. Francisco Eduardo Loureiro, Planos e Seguros de Saúde, Responsabilidade Civil na Área de Saúde, coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Saraiva, São Paulo, 2007, pp.308-9).

O fornecimento do Revlimid já foi objeto de muitas decisões judiciais e infelizmente ainda é. Um tratamento de tamanha magnitude capaz de fazer a diferença entre a vida e a morte já deveria estar sendo utilizado em nosso país há anos e não somente nos países de primeiro mundo. Neste sentido tem entendido os tribunais pátrios. Sendo assim, há que se forçar o Estado a importar tal medicamento e fornecê-lo sob pena de multa diária a ser imposta em juízo.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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