Má qualidade de serviços no Brasil

A gente tem a péssima mania de deixar as coisas passarem. A internet que usamos geralmente nos é fornecida em uma potencia muito abaixo da contratada. A portabilidade de número de telefone que temos direito nos é oferecida em 24 horas só para “conseguir o cliente’, já que na prática ela demora dias para acontecer.
O banco? Ah, o banco é um caso a parte. Hoje em dia estamos sujeitos a tanta taxa com letrinhas e símbolos ininteligíveis que dá até preguiça de tentar entender. E a quantidade de clonagem de cartão? Quem nunca teve o cartão clonado ou conhece alguém que teve.
E isso serve para a roupa que usamos, o calçado caríssimo de marca que a gente acha que pelo preço deveria durar muito e cuja sola já começa a descolar logo nos primeiros dias de uso. O restaurante, a livraria, o supermercado, a cortina novinha que começa a desfiar na primeira lavada, a casa que você paga todo mês regiamente e cujas chaves você nunca recebeu…
A má qualidade de serviços no Brasil virou epidemia tão gritante quanto a dengue. Mas isso tem causa. E não é um mosquito não. Somos nós os culpados disso. Parece papo de advogado mas não é não.
A gente tem mania de deixar tudo passar, seja porque reclamar demanda tempo, porque brigar na justiça pode ser caro ou mais lento do que a gente gostaria. Enquanto isso o monstro da incompetência vai ganhando força.
Gente, quem nunca entrou numa loja e foi tratado como se estivesse ali para fazer um favor para o vendedor e não para comprar alguma coisa? Em alguns lugares a gente tem que quase implorar por informações sobre o produto ou serviço que queremos. E vocês realmente acham que isso deveria ser assim?
Evidentemente que o agir malicioso e desdenhoso das empresas com os seus clientes é fato notório, de conhecimento público. Elas não se compadecem com a boa-fé contratual e os ditames do CDC.
Essa sensação de desídia, de atendimento ruim, de descaso gera dano moral e só quem sente é capaz de entender o que estou falando. No caso das telefonias e dos bancos por exemplo, são horas que a gente deixa de trabalhar, estudar ou fazer qualquer outra coisa em ligações intermináveis que geralmente não dão em nada.
Além do dano pelo descumprimento contratual (art. 14 CDC) tornando o serviço impróprio para o consumo que dele adequadamente se espera, os prejuízos enfrentados pelos consumidores decorrentes do mal funcionamento do serviço contratado devem gerar a integral reparação civil extrapatrimonial.
Essas grandes empresas são contumazes descumpridoras dos direitos dos consumidores.
Aí você se questiona se não estariam os consumidores se aproveitando disso para se enriquecer. Será que isso seria dano moral mesmo?
Veja que o desassossego e angústia, sentimentos que qualificam-se como fatos geradores do dano moral, devem ser ressarcidos por meio de indenização, porquanto sua caracterização, em afetando diretamente os atributos da personalidade da pessoa ofendida, maculando os seus sentimentos e impregnando indelével nódoa na sua existência, ante as ofensas que experimentara no que lhe é mais caro – dignidade, decoro, auto-estima, honra, credibilidade, felicidade, tranqüilidade etc. -, se verifica com a simples ocorrência do ato ilícito.
O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º, inciso VI, estabelece expressamente, como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, in verbis:
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
(…)
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
Recentemente ganhei de uma empresa de telefonia uma indenização porque me prometeram a portabilidade em 24 horas e só a cumpriram meses depois. Vejam: “Verifico, assim, que o serviço prestado apresentou falhas em sua execução. Caracterizada está a responsabilidade objetiva do prestador de serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Por tratar-se de responsabilidade objetiva, exige-se, apenas, a comprovação do dano experimentado e nexo com a prestação do serviço colocado à disposição no mercado de consumo. A má prestação do serviço é evidente pela inércia da Requeria em demonstrar fatos extintivos ou modificativos do direito do autor.
Resta, agora, saber se, como vítima de péssimos serviços prestados, a autora experimentou danos de ordem moral. Evidente que sim, pois patentes o desgosto e o transtorno deles decorrentes, mormente em vista da falta de adequada solução para o problema, não se exigindo prova de tais sentimentos.
A situação descrita nos autos, tem o condão de gerar abalos morais, tendo em vista a verdadeira peregrinação que o Requerente enfrentou para tentar resolver seu problema, procurando inúmeras vezes a Requerida, conforme demonstram os documentos colacionados na inicial, sem que suas solicitações fossem atendidas.
É certo que o dano moral é difícil de ser valorado, na medida em que afeta a honra das pessoas. Deve, assim, ser arbitrado valor que, considerado a gravidade dos fatos, sirva de conforto a quem é ofendido, sem implicar em seu enriquecimento indevido, bem como incentive a alteração da conduta de quem ofender, sem redundar em sua bancarrota. Ante ao exposto, e por mais tudo que dos autos consta, com arrimo no inciso I, do artigo 269 do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTE o pedido para CONDENAR a Requerida a pagar ao Requerente a quantia de xxxxx, acrescida de correção monetária com base no índice do INPC, por ser o mais benéfico à devedora, e juros legais de 1% ao mês, tudo a contar desta data, a qual constitui a data do arbitramento nos termos da Súmula 362, STJ”.
Da mesma forma, conseguimos aqui no escritório uma indenização porque clonaram o cartão de uma advogada que aqui trabalha. A instituição literalmente teve que pagar por não criar mecanismos para proteger os clientes desse tipo de bandido.
Aí vocês pensam: essas indenizações nem fazem cócegas nessas empresas! É verdade! Não fazem mesmo!
Mas e se todos que se sentem prejudicados pedissem reparação? Pensem nisso.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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