A exploração do de cujus

Parece bizarro, mas algumas pessoas são exploradas em vida e após a morte. É muito comum pessoas que passam a vida cuidando de alguém, recebendo salário por isso, mas que com a morte da pessoa ‘cuidada’ se sentem no direito de se apossar de tudo e muitas vezes extrair de renda dos bens do falecido.

Só para exemplificar contemos a fictícia história de Jonhy, um rapaz norte americano que viveu no Brasil cerca de 20 anos. Jonhy era dono de uma multinacional Americana e vivia do lucro que a empresa lhe proporcionava. Sofria de um mal de ordem pulmonar e em função disso escolheu o clima dos trópicos para viver.

Sempre foi um homem pacato. Não gostava de festas e passava a maior parte do tempo em casa lendo ou vendo filmes. Jonhy contratou uma senhora chamada Maria para cuidar de sua casa. Aos poucos surgiu um vínculo de amizade entre os dois e a relação de confiança foi se fortalecendo. Maria passou a fazer transações bancárias para Jonhy e representá-lo quando sua doença lhe impossibilitava de sair de casa. Tudo mediante uma procuração.

Maria ficava o dia todo cuidando de Jonhy e de seus interesses e à noite ía para casa, eis que tinha companheiro e filhos. Jonhy adquiriu uma belíssima mansão no Brasil e tudo através da interferência de Maria, que ía aos cartórios, conversava com as pessoas, pagava suas contas, fazia transações via internet, etc. Pois bem. Jonhy faleceu tomando banho à noite em casa. Foi encontrado por um pedreiro que fazia uma obra na casa e que tinha as chaves.

Maria, que tinha as chaves da casa, uma procuração com plenos poderes e toda altivez que lhe era possível, mudou-se para a casa de Jonhy, levando consigo o companheiro, os filhos e quem mais quisesse desfrutar da linda mansão. “Lá tem espaço para todo mundo”, dizia.

Passou a dar festas na piscina e agir como se dona fosse. Não bastasse isso, passou a fazer transações bancárias em nome do de cujus e transferir importâncias para sua conta. Aos vizinhos e a quem mais se interessasse, se apresentava como viúva. Ao descobrir como estava sendo tratado o patrimônio e a memória de Jonhy, a família procurou Maria e esta disse ter direitos por ter cuidado dele anos a fio. Disse ainda que somente sairia do imóvel mediante uma ordem judicial.

Não houve outra alternativa senão a de procurar um profissional que pudesse cuidar do caso. A família do falecido questionou o profissional sobre os documentos do falecido, objetos pessoais de valor pecuniário e até mesmo afetivo, certidões de imóveis, cartões bancários e tudo mais que estava na casa atualmente habitada por Maria. O profissional, então, apresentou aos familiares a figura da imissão na posse, como meio hábil para liminarmente, resolver o impasse retirando Maria da casa.

A figura da imissão na posse visa proteger aqueles que mesmo não tendo a posse do bem tem direito ao mesmo. Seria o chamado juris possidendi. A imissão na posse regulariza o reconhecimento definitivo do direito em litígio. Trata-se, portanto, de um meio processual posto à disposição do adquirente de imóvel ou de seus herdeiros que, após o averbamento da escritura no Registro Imobiliário, com a translação do direito de propriedade, deparam-se com a renitência do alienante ou de terceiros no ato de entregar o bem.

No caso de Jonhy falamos de uma terceira pessoa que usufrui e até dilapida o imóvel em questão. Dessa maneira, portanto, a apresentação de título idôneo à transferência do domínio mostra-se suficiente, sendo irrelevante o exercício de posse direta prévia por parte de quem requer a imissão na posse, eis que o presente instituto visa evitar danos de incerta reparação já que não se sabe as condições em que o imóvel tem sido mantido.

Portanto, a imissão na posse é própria para aqueles que detêm o título do domínio, mas não exercem a posse, apresentando como requisitos, portanto, além do domínio a posse injusta de um terceiro sobre a coisa a ser imitida. Representando a posse injusta basta a certidão de óbito do único proprietário do imóvel, o que restou providenciado pelos herdeiros de Jonhy.

Em direito, fala-se muito a expressão fumaça do bom direito, em latim fumus boni iuris. No caso de Jonhy o fumus boni iuris resta patente frente a prova inequívoca de sua propriedade exclusiva. A certidão do imóvel é suficiente para isso. Outro ponto a ser analisado, seria o que chamamos de perigo da demora, ou em latim periculum in mora.

O perigo da demora no caso de Jonhy é representado pelo fato do único proprietário do imóvel ter falecido bem como no fato da pessoa que até então tinha poderes para representá-lo quando de sua doença, ter se apossado do imóvel na companhia de seus familiares e amigos. A questão era tão evidente que mediante a nomeação da mãe de Jonhy como inventariante do feito, não restou ao nobre magistrado outra alternativa senão a de deferir seu pedido de imissão de posse. Maria luta há anos na justiça para reverter a situação. Quer ver-se indenizada ora na justiça trabalhista ora na cível.

Enquanto isso, graças ao instituto aqui apresentado, o único bem de Jonhy no Brasil encontra-se resguardado e os objetos pessoais foram levados por seus familiares.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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