A condição de sócio implica imediatamente em responsabilidade tributária?

Por Estênio Primo

 

Quem responde pelas dívidas sociais da pessoa jurídica é a própria sociedade, não, de pronto e sem mais porquê, na pessoa do sócio. Com efeito, desde longa data, constituem noções já sedimentadas e em pleno vigor, o entendimento de que, os sócios de sociedades empresárias, não respondem pessoalmente pelas obrigações da sociedade, excetuando quando em inequívoca violação de lei, ou o abuso de direito.

Entretanto, quer na esfera cível quer na tributária, à luz do artigo 50 do Código Civil, combinado com o art. 135, III, do CTN, que estendeu a responsabilidade da pessoa jurídica, ao sócio diretor, gerente ou representante, pela prática de atos com excesso de poder, infração à lei ou contrato social, este é o entendimento prevalente: (…) A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. (STJ-1ª Turma, Min. Luiz Fux, REsp 702.719/RS, DJ de 28/11/05).

Não há de se discutir a responsabilidade pelos atos praticados que configuraram infração legal, previsto no artigo 135 do Código Tributário Nacional. A infração trata de responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 136 do CTN, todavia, o artigo seguinte, precisamente o artigo 137, remete a responsabilidade pessoal do agente. Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária.

O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta. Vejam-se os artigos, verbis:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Também nos dizeres de Hugo de Brito Machado, tem-se que o ilícito tributário pode repercutir em sanções patrimoniais e sanções pessoais. Estas, aplicadas diretamente a pessoa natural, suportadas pelo próprio agente, com responsabilidade fundada em culpa. Na presente hipótese, não se trata de ilícito tributário, mas de sanção administrativa do código consumerista. Nesta senda, tem-se:

Ementa: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – SÓCIO. 1. A jurisprudência da Primeira Seção firmou-se no sentido de que não se admite a responsabilidade objetiva, mas subjetiva do sócio, não constituindo infração à lei o não-recolhimento de tributo, sendo necessária a prova de que adiu o mesmo dolosamente, com fraude ou excesso de poderes, excepcionando-se a hipótese de dissolução irregular da sociedade comercial. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 493985 / RS 2003/0014066-5 Relatora Ministra ELIANA CALMON; Órgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento 13/05/2003; Data da Publicação/Fonte DJ 02.06.2003 p. 291)

Ementa: RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÉBITOS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL. LEI 8.620/93, ART. 13. 1. A regra no egrégio STJ, em tema de responsabilidade patrimonial secundária, é a de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. 2. Ressalva do ponto de vista no sentido de que a ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público. 3. Tratando-se “de débitos da sociedade para com a Seguridade Social, decorrentes do descumprimento das obrigações previdenciárias, há responsabilidade solidária de todos os sócios, mesmo quando se trate de sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Aplicação do art. 13 da Lei 8.620/93, que alterou as regras das Leis 8.212 e 8.213, de 1991. Nestes casos, a responsabilidade atribuída pela lei ao sócio-cotista tem respaldo no art. 124, II, do CTN e independe de comprovação pelo credor exeqüente, de que o não-recolhimento da exação decorreu de ato abusivo, praticado com violação à lei, ou de que o sócio deteve a qualidade de dirigente da sociedade devedora.” 4. Deveras, no campo tributário, quanto à aplicação da lei no tempo, vigora o princípio de que “a lei aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros” (art. 105). Isto porque, respeitados os princípios da anterioridade, da legalidade, e demais informadores do sistema tributário, a relação do cidadão com o fisco é de trato sucessivo, por isso que não há direito adquirido em relação ao futuro, somente quanto ao passado. 5. A regra da limitação das obrigações sociais refere-se àquelas derivadas dos atos praticados pela entidade no cumprimento de seus fins contratuais, inaplicando-se às obrigações tributárias pretéritas, que serviram à satisfação das necessidades coletivas. Por essa razão é que o novel Código Civil, que convive com o Código Tributário e as leis fiscais, não se refere à obrigações fiscais, convivendo, assim, a lei especial e a lei geral. 6. Hipótese em que a execução fiscal refere-se a débito posterior à vigência da Lei 8.620/93. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte provido. (REsp 614844 / RS 2003/0216091-4 Relator Ministro LUIZ FUX; Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento 11/05/2004; Data da Publicação/Fonte:DJ 31.05.2004; p.237; RJADCOAS, vol. 58 p. 133)

A razão desse alinhamento está no entendimento, prevalente, de que o simples inadimplemento da obrigação fiscal não responsabiliza por não representar infração à lei: A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que o simples inadimplemento não caracteriza infração legal. (STJ-1ª Turma, Min. José Delgado, AgRg no AG 570378-Pr, DJU de 09/08/04, p. 176).

Com a introdução no ordenamento jurídico da Lei 8.620/93, trazendo a regra de que a responsabilidade da firma individual e da sociedade por cotas de responsabilidade limitada, se estende ao titular daquela e aos sócios desta, solidariamente com a empresa por débitos junto à seguridade social (art. 13), o redirecionamento da execução fiscal aos sócios das sociedades de capital restou livre, e passou a alcançar mesmos aqueles sem poder de gestão.

Ementa. 1. Tratam os autos de embargos de devedor opostos por Jairo Valdemiro Porto em face de execução fiscal ajuizada pelo INSS. O juízo monocrático julgou procedente os embargos e o TRF/4a Região negou provimento à apelação sob a égide do art. 135 do CTN, entendendo que o não-recolhimento de tributos não caracteriza infração à lei capaz de ensejar a responsabilidade solidária dos sócios. Recurso especial interposto pela Autarquia apontando infringência a preceitos federais, com destaque para os arts. 135, III, e 202, do CTN, 2º, § 5º, I e IV, e 3o da Lei 6.830/80, além de divergência jurisprudencial. 2. A solidariedade prevista no art. 124, II, do CTN, é denominada de direito. Ela só tem validade e eficácia quando a lei que a estabelece for interpretada de acordo com os propósitos da Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional. 3. Inteiramente desprovidas de validade são as dis- posições da Lei nº 8.620/93, ou de qualquer outra lei ordinária, que indevidamente pretenderam alargar a responsabilidade dos sócios e dirigentes das pessoas jurídicas. O art. 146, inciso III, b, da Constituição Federal, estabelece que as normas sobre responsabilidade tributária deverão se revestir obrigatoriamente de lei complementar. 4. O CTN, art. 135, III, estabelece que os sócios só respondem por dívidas tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de gestão vinculado ao fato gerador. O art. 13 da Lei nº 8.620/93, portanto, só pode ser aplicado quando presentes as condições do art. 135, III, do CTN, não podendo ser interpretado, exclusivamente, em combinação com o art. 124, II, do CTN. 5. O teor do art. 1.016 do Código Civil de 2002 é extensivo às Sociedades Limitadas por força do prescrito no art. 1.053, expressando hipótese em que os administradores respondem solidariamente somente por culpa quando no desempenho de suas funções, o que reforça o consignado no art. 135, III, do CTN. 6. A Lei 8.620/93, art. 13, também não se aplica às Sociedades Limitadas por encontrar-se esse tipo societário regulado pelo novo Código Civil, lei posterior, de igual hierarquia, que estabelece direito oposto ao nela estabelecido. 7. Não há como se aplicar à questão de tamanha complexidade e repercussão patrimonial, empresarial, fiscal e econômica, interpretação literal e dissociada do contexto legal no qual se insere o direito em debate. Deve-se, ao revés, buscar amparo em interpretações sistemática e teleológica, adicionando-se os comandos da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e do Código Civil para, por fim, alcançar-se uma resultante legal que, de forma coerente e juridicamente adequada, não desnature as Sociedades Limitadas e, mais ainda, que a bem do consumidor e da própria livre iniciativa privada (princípio constitucional) preserve os fundamentos e a natureza desse tipo societário. (STJ-1ª Turma, Min. Francisco Falcão, REsp 638755/SC, DJ de 01/02/06 p. 440, e 1ª Seção, Min. José Delgado, REsp 757065/SC, DJ de 01/02/06, p. 424)

Nesta linha de raciocínio, o sócio somente pode ser responsabilizado se ocorrerem concomitantemente duas condições: a) exercer atos de gestão; e, b) restar comprovada a prática de atos com infração de lei, contrato ou estatuto, i. E., como debulham os precedentes jurisprudenciais: que seja sócio controlador ou seja daqueles que, por força do contrato ou estatuto, possuam poderes para fazer com que a sociedade cumpra a obrigação, revelado que elas tiveram origem em atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto.

Neste sentido entende o Superior Tribunal de Justiça: Os requisitos essenciais à imputação da responsabilidade secundária de sócio gerente na execução fiscal são também necessários quando em sede de medida cautelar fiscal, diante da natureza acessória dessa medida. Dessarte, in casu, faz-se imprescindível observar que a indisponibilidade de bens (art. da Lei n. 8.397/1992), efeito imediato da cautelar fiscal, só pode atingir aqueles de propriedade do acionista controlador e dos que, em razão do contrato social ou estatuto, possuam poderes de fazer com que a sociedade cumpra suas obrigações fiscais, revelado que elas tiveram origem em atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto (art. 135 do CTN), tal como apregoado pela jurisprudência deste Superior Tribunal (note-se que, a essas hipóteses, a doutrina acrescenta a da dissolução irregular da sociedade).

Como se vê, de forma clara, não é a mera condição de sócio que autoriza a responsabilização, razão pela qual, não atendidos os requisitos que autorizam a solidariedade, cuja prova, no caso, cabe ao credor fiscal, não pode o sócio ser acionado.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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