Da responsabilidade civil na fiscalização estatal

A fiscalização estatal trata-se de atividade de suma importância no desenvolvimento do Estado de Direito, eis que tem como escopo a segurança do erário público. Entretanto, há que se tomar alguns cuidados para não ferir direitos básicos e nesse ínterim, muitas vezes causar danos irreparáveis na atividade.

Ocorre que o Estado Democrático é regido por leis e baseado em instituições que funcionam dentro dos limites legais. A proteção ao erário público, em um Estado Democrático, se faz nos limites da lei.

Assim como qualquer atividade administrativa, a fiscalização está submetida aos princípios e preceitos constitucionais, não podendo ser exercida ao arrepio da Lei Fundamental, em desacato à legalidade, à publicidade e à impessoalidade da ação administrativa. A fiscalização, ademais, deve agir dentro dos estreitos limites do respeito aos direitos e garantias individuais.

Estabelece a lei penalidades para os atos ilícitos praticados pelo contribuinte na relação tributária, e nenhuma penalidade estabelece para a Fazenda Pública para os casos de cometimentos ilícitos por esta praticados na mesma relação. Isto não quer dizer que não exista sanção para o ilícito cometido pela Fazenda Pública. Tal sanção consiste precisamente na indenização pelo dano resultante do cometimento ilícito.

O direito à indenização decorre da conduta ilícita da Fazenda Pública, lesiva ao patrimônio, moral ou material, do contribuinte. Como qualquer outra pessoa, o contribuinte tem direito a que a Fazenda Pública seja obediente às leis na relação de tributação. Em outras palavras, tem direito a que a Fazenda Pública não adote na vivência da relação tributária nenhum comportamento contrário ao direito. Se adota, e se daquele comportamento ilícito seu decorre qualquer dano para o contribuinte, tem este o direito à indenização correspondente.

Os danos a cuja indenização o contribuinte tem direito podem decorrer dos mais diversos comportamentos do fisco na relação de tributação. Não se pode admitir que o fisco, porque tem o direito ao tributo, esteja na cobrança deste agindo sempre licitamente. O tributo é devido nos termos da lei, e há de ser cobrado pelos meios por lei estabelecidos.

Quando o fisco adota formas oblíquas de cobrança pode estar provocando danos pelos quais assume inteira responsabilidade. Neste sentido entende Liebman: “Quis-se favorecer a posição do credor reconhecendo a probabilidade da existência a proteção que só deveria corresponder à absoluta certeza de sua existência: essa arma, que se lhe põe entre mãos, não encontra paralelo em nenhum outro instituto do direito moderno. É imperioso, por conseqüência, estimular-lhe o senso de responsabilidade, deixando-lhe a cargo o dano eventualmente provocado por sua imprudência ou impulsividade. Nem de outra forma se lhe pode qualificar a conduta, se o crédito não existir, porque esta é uma circunstância que o credor bem dificilmente ignora, e, no caso de incerteza, não lhe falece o modo de procurar seguro conhecimento das coisas antes de deitar mão sôbre o patrimônio do devedor. Só a plena responsabilidade pelos danos ocasionados por qualquer espécie de execução injustificada pode compensar o favor dispensado à rapidez de realização do crédito e impedir que ela se converta em insuportável injustiça.” (Enrico Tullio Liebman, Embargos do Executado, tradução de J. Guimarães Manegale, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 1968, pág. 243).

Ocorre que na ‘vida privada’ do cidadão trata-se de uma garantia constitucional e um de seus baluartes é o direito ao sigilo bancário, razão pela qual deve ser preservada a todo custo.

Ademais, a quebra de sigilo deve ser decretada, estando atualmente garantida pela Lei Complementar nº 105 de 2001, in verbis: Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. (…) § 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:(…)

AUTO DE INFRAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. NULIDADE. I – O auto de infração e o procedimento fiscal tiveram como fundamento informações obtidas nas movimentações bancárias do autor, como atestou a perícia, e estas informações foram obtidas pela quebra do sigilo bancário que se deu sem autorização judicial, sendo, portanto, prova ilícita; II- Não pode prevalecer autuação que teve como base prova ilícita, sendo nulos o procedimento fiscal e o conseqüente auto de infração; III- Remessa necessária e apelação da União Federal a que se nega provimento. Apelação do autor provida. IV- Ressalva à União, se houver causa, instauração de outro processo administrativo.(TRF2; APELAÇÃO CIVEL: AC 307220 1994.51.01.065294-9; Relator (a): Desembargador Federal ANTONIO IVAN ATHIÉ; Julgamento: 08/06/2004; Órgão Julgador: QUINTA TURMA; Publicação: DJU – Data::18/06/2004)

Ademais, configura-se perfeitamente cabível ao caso a regra do art. 37, § 6º da CF, que prevê a responsabilidade objetiva da Administração Pública Direta e Indireta, bem como das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros.

A responsabilidade objetiva, como é cediço, prescinde da comprovação de culpa, ou seja, em havendo prejuízo ao cidadão na relação com a Administração Pública de imediato origina de direito à reparação aquele.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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