Da responsabilidade civil na fiscalização estatal

A fiscalização estatal trata-se de atividade de suma importância no desenvolvimento do Estado de Direito, eis que tem como escopo a segurança do erário público. Entretanto, há que se tomar alguns cuidados para não ferir direitos básicos e nesse ínterim, muitas vezes causar danos irreparáveis na atividade. Ocorre que o Estado Democrático é regido por leis e baseado em instituições que funcionam dentro dos limites legais. A proteção ao erário público, em um Estado Democrático, se faz nos limites da lei. Assim como qualquer atividade administrativa, a fiscalização está submetida aos princípios e preceitos constitucionais, não podendo ser exercida ao arrepio da Lei Fundamental, em desacato à legalidade, à publicidade e à impessoalidade da ação administrativa. A fiscalização, ademais, deve agir dentro dos estreitos limites do respeito aos direitos e garantias individuais. Estabelece a lei penalidades para os atos ilícitos praticados pelo contribuinte na relação tributária, e nenhuma penalidade estabelece para a Fazenda Pública para os casos de cometimentos ilícitos por esta praticados na mesma relação. Isto não quer dizer que não exista sanção para o ilícito cometido pela Fazenda Pública. Tal sanção consiste precisamente na indenização pelo dano resultante do cometimento ilícito. O direito à indenização decorre da conduta ilícita da Fazenda Pública, lesiva ao patrimônio, moral ou material, do contribuinte. Como qualquer outra pessoa, o contribuinte tem direito a que a Fazenda Pública seja obediente às leis na relação de tributação. Em outras palavras, tem direito a que a Fazenda Pública não adote na vivência da relação tributária nenhum comportamento contrário ao direito. Se adota, e se daquele comportamento ilícito seu decorre qualquer dano para o contribuinte,...

Do erro quanto ao objeto do contrato e suas consequências

Em 2012 uma senhora idosa viúva e sem filhos colocou uma placa de ‘Vende-se’ na garagem de sua casa no afã de pegar o dinheiro, comprar um imóvel menor e com o restante cuidar de sua saúde. Dias depois foi procurada por um homem que se dizia um rico fazendeiro do Estado de Goiás. O homem apareceu em uma caminhonete de luxo, muito bem vestido. O suposto fazendeiro disse que tinha interesse em comprar a casa para construir nela um escritório. Disse ainda que ao invés de pagar o valor estipulado pela vendedora do imóvel poderia fazer com ela um contrato de permuta, no qual ela passaria para ele a casa e ele em troca lhe transferiria alguns lotes situados em uma cidade do interior. De acordo com o suposto fazendeiro os lotes valiam mais que a casa da incauta vendedora e que após a venda dos mesmos e a compra de sua futura residência, lhe sobraria uma quantia que se devidamente aplicada, poderia lhe proporcionar conforto por alguns anos. A vendedora pediu para ver os lotes, mas o comprador nunca tinha tempo para levá-la até lá. Sendo assim, no afã de convencê-la levou para ela toda a documentação dos imóveis, fotos tiradas do google earth e uma avaliação feita por um amigo seu. Encantada com as promessas do suposto fazendeiro a vendedora da casa ‘fechou negócio’ e com ele selou um contrato de permuta. Na semana seguinte um parente distante veio visitá-la e a levou até a cidade onde localizavam-se os lotes. Para sua surpresa foi informada pelo dono de uma imobiliária local que os lotes valiam um...

Sequestro Internacional de Crianças

A problemática da retenção ilícita de crianças em outro país é objeto da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, mais conhecida como Convenção de Haia. Geralmente, o sequestro é perpetrado por um dos pais ou parentes próximos e revela um estado de beligerância entre os cônjuges ou seus familiares na disputa pela custódia da criança. A atitude do “sequestrador” consiste em tirar o menor do seu ambiente e levá-lo para outro País, onde acredita poder obter uma situação de fato ou de direito que atenda melhor aos seus interesses. A Convenção tem por escopo proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita. Neste sentido reza o art. 1º: Artigo 1º. A presente Convenção tem por objetivo: a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. A Convenção lida, na realidade, com dois grandes objetivos: o retorno da criança e o respeito ao direito de guarda e de visita. Mas na prática, o que prevalece na Convenção é o desejo de “garantir o restabelecimento da situação alterada pela ação do sequestrador”. Desse modo, pode-se afirmar que o retorno da criança é a principal providência a ser considerada pelas Autoridades requisitadas. Isso porque, após inúmeras discussões, os Estados-partes chegaram à conclusão de que,...

Decisão judicial determina que governo do Estado de Goiás forneça a paciente medicamento a base de maconha

Recentemente tive uma liminar para fornecer um medicamento para uma cliente oncológica negado sob a alegação de que o remédio era muito caro e que com esse dinheiro o Estado poderia cuidar de várias pessoas carentes (como se o Estado fizesse realmente isso). Na minha humilde opinião o juiz praticamente disse “que morra essa moça aí para que os mais carentes possam se tratar, afinal a vida dela sairá muito caro para o Estado”. Recorri. Deu certo. Vejam: “DIANTE DO EXPOSTO, PRESENTES SE TêM OS REQUISITOS PARA A CONCESSãO DA TUTELA RECURSAL, RAZãO PELA QUAL, DEFIRO-A A FIM DE DETERMINAR QUE O ENTE ESTATAL FORNEçA O MEDICAMENTO DENOMINADO REVLIMID, NA QUAN- TIDADE DE 10 (DEZ) CAIXAS, NO PRAZO DE 05 (CINCO) DIAS, A FIM DE INICIAR O TRATAMENTO DA ORA AGRAVAN- TE, SOB PENA DE BLOQUEIO DE VERBAS PúBLICAS, NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DA PRESENTE DECISãO, O QUE DESDE Já FICA AUTORIZADO, CONFORME PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA (AGRG NO AGRG NO ARESP 498758 / GO; AGRG NO RMS 39937 / GO). OFICIE-SE AO JUíZO SINGULAR, CIENTIFICANDO-O DA PRESENTE DECI- SãO, E PARA QUE IMPRIMA O SEU CUMPRIMENTO, AO TEM- PO EM QUE SOLICITE-SE-LHE, NO PRAZO DE 10 (DEZ) DI- AS, AS INFORMAçõES QUE JULGAR PERTINENTES. INTIME- SE A PARTE AGRAVADA (ENTE PúBLICO) PARA, QUERENDO, APRESENTAR CONTRARRAZõES, NO PRAZO LEGAL. CUMPRA- SE”. Confesso que nessas horas dá orgulho do que faço. Hoje de manhã vi mais uma decisão no mesmo sentido, só que em relação a um medicamento à base de maconha. É o judiciário salvando vidas, possibilitando dignidade a quem dela necessita. Taí a decisão que não...

Assessoria jurídica empresarial

Por Danielli Xavier Freitas   1. Introdução Recentemente, tive a honraria de publicar artigo na qualificada Revista de Direito Empresarial da editora Revista dos Tribunais (Ano 2, vol. 2, mar.-abr./2014, p. 345-362) no qual desenvolvi uma minuciosa análise da atuação da Assessoria Jurídica e suas vantagens para o empresário. Reproduzo, aqui, as lições ali traçadas com o acréscimo de uma análise práticas das vantagens outrora teorizadas. A visão leiga acerca dos serviços jurídicos sempre esteve arraigada à própria origem da Jurisdição. A “Justiça”, como é popularmente chamada, nasceu, de fato, com uma missão bastante específica: resolver conflitos de interesses que não puderam ser solucionados pela via da autotutela. Sendo, pois, o advogado o único instrumento para incitar essa composição heterotutelar (salvo raríssimas exceções), a associação que sempre se fez é que o profissional jurídico somente seria útil quando necessário para resolver judicialmente uma lide, por intermédio da provocação do Estado-juiz. Por mais que a presente pesquisa seja uma crítica, como se verá, a essa associação, faça-se, entretanto, justiça: até pouco tempo essa ideia era, em certo ponto, justificável. Enquanto as relações jurídicas não eram dinâmicas o suficiente, quase se restringindo às pessoas naturais e ocasionando, por via de consequência, lides sem maiores complexidades, a atuação do profissional jurídico, de fato, quase não extrapolava a incitação jurisdicional. Entrementes, em tempos onde grande parte das relações jurídicas se desenvolve virtualmente, onde as negociações podem envolver centenas de pessoas e a crise de uma instituição pode influenciar nações, essa ideia precisa ser revista. Hodiernamente, o empresário que não se assessora juridicamente não consegue acompanhar a complexidade das normas jurídicas e, assim, delas...

A condição de sócio implica imediatamente em responsabilidade tributária?

Por Estênio Primo   Quem responde pelas dívidas sociais da pessoa jurídica é a própria sociedade, não, de pronto e sem mais porquê, na pessoa do sócio. Com efeito, desde longa data, constituem noções já sedimentadas e em pleno vigor, o entendimento de que, os sócios de sociedades empresárias, não respondem pessoalmente pelas obrigações da sociedade, excetuando quando em inequívoca violação de lei, ou o abuso de direito. Entretanto, quer na esfera cível quer na tributária, à luz do artigo 50 do Código Civil, combinado com o art. 135, III, do CTN, que estendeu a responsabilidade da pessoa jurídica, ao sócio diretor, gerente ou representante, pela prática de atos com excesso de poder, infração à lei ou contrato social, este é o entendimento prevalente: (…) A responsabilidade patrimonial secundária do sócio, na jurisprudência do E. STJ, funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. (STJ-1ª Turma, Min. Luiz Fux, REsp 702.719/RS, DJ de 28/11/05). Não há de se discutir a responsabilidade pelos atos praticados que configuraram infração legal, previsto no artigo 135 do Código Tributário Nacional. A infração trata de responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 136 do CTN, todavia, o artigo seguinte, precisamente o artigo 137, remete a responsabilidade pessoal do agente. Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN,...

A exploração do de cujus

Parece bizarro, mas algumas pessoas são exploradas em vida e após a morte. É muito comum pessoas que passam a vida cuidando de alguém, recebendo salário por isso, mas que com a morte da pessoa ‘cuidada’ se sentem no direito de se apossar de tudo e muitas vezes extrair de renda dos bens do falecido. Só para exemplificar contemos a fictícia história de Jonhy, um rapaz norte americano que viveu no Brasil cerca de 20 anos. Jonhy era dono de uma multinacional Americana e vivia do lucro que a empresa lhe proporcionava. Sofria de um mal de ordem pulmonar e em função disso escolheu o clima dos trópicos para viver. Sempre foi um homem pacato. Não gostava de festas e passava a maior parte do tempo em casa lendo ou vendo filmes. Jonhy contratou uma senhora chamada Maria para cuidar de sua casa. Aos poucos surgiu um vínculo de amizade entre os dois e a relação de confiança foi se fortalecendo. Maria passou a fazer transações bancárias para Jonhy e representá-lo quando sua doença lhe impossibilitava de sair de casa. Tudo mediante uma procuração. Maria ficava o dia todo cuidando de Jonhy e de seus interesses e à noite ía para casa, eis que tinha companheiro e filhos. Jonhy adquiriu uma belíssima mansão no Brasil e tudo através da interferência de Maria, que ía aos cartórios, conversava com as pessoas, pagava suas contas, fazia transações via internet, etc. Pois bem. Jonhy faleceu tomando banho à noite em casa. Foi encontrado por um pedreiro que fazia uma obra na casa e que tinha as chaves. Maria, que tinha as chaves...

Ação para obrigar o Estado a fornecer um medicamento cuja comercialização não foi autorizada pela Anvisa

O direito à vida trata-se de uma garantia constitucional prevista no caput do artigo 5ºda Carta Magna, in verbis: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Da mesma forma o artigo 6º: “Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. A intenção do legislador de blindar constitucionalmente valores como vida e saúde foi tamanha que mais adiante assim determinou: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Resta patente, portanto, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deve garanti-la efetivamente ao invés de apenas veicular na mídia propagandas inverídicas da realidade da saúde, dentre outras. Afora isso, cumpre mencionar o direito à vida, mais sagrado de todos, fundamental, em muitos casos é desacatado frente a negativa de fornecimento do único medicamento que pode salvar a vida de alguém. Existe vários tipos de câncer. Um deles, o mieloma, vem sido tratado na maior parte do mundo com um medicamento chamado revlimid ou lenalidomida. Entretanto, tal medicamento necessita ser importado eis que a Anvisa não autorizou,...