Sequestro Internacional de Crianças

A problemática da retenção ilícita de crianças em outro país é objeto da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, mais conhecida como Convenção de Haia.

Geralmente, o sequestro é perpetrado por um dos pais ou parentes próximos e revela um estado de beligerância entre os cônjuges ou seus familiares na disputa pela custódia da criança. A atitude do “sequestrador” consiste em tirar o menor do seu ambiente e levá-lo para outro País, onde acredita poder obter uma situação de fato ou de direito que atenda melhor aos seus interesses.

A Convenção tem por escopo proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita. Neste sentido reza o art. 1º:

Artigo 1º. A presente Convenção tem por objetivo:

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante.

A Convenção lida, na realidade, com dois grandes objetivos: o retorno da criança e o respeito ao direito de guarda e de visita. Mas na prática, o que prevalece na Convenção é o desejo de “garantir o restabelecimento da situação alterada pela ação do sequestrador”. Desse modo, pode-se afirmar que o retorno da criança é a principal providência a ser considerada pelas Autoridades requisitadas.

Isso porque, após inúmeras discussões, os Estados-partes chegaram à conclusão de que, diante do número crescente de casos, principalmente de pais que se separavam e quando um deles levava consigo a criança para outro Estado, provavelmente para fugir da legislação do Estado de origem, a medida que atenderia, de fato, aos interesses da criança seria retorná-la ao seu ambiente de origem, ao país da sua residência habitual, juízo natural onde supostamente melhor se discutiriam as questões referentes à guarda.

O núcleo central da Convenção é o artigo 3º, que assim enuncia:

Artigo 3º. A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e

b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse estar sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado. (grifo nosso)

A Convenção adotou, como regra para a restituição da criança, que esta tivesse, no Estado Requerente, residência habitual, imediatamente anterior à violação do direito de guarda ou de visita. Os Estados contratantes manifestaram preferência, desse modo, por um termo que não oferecesse muita polêmica e fosse eminentemente prático, já que o conceito de domicílio, utilizado pelas legislações de vários Estados, entre os quais o Brasil, para fixação da competência jurisdicional internacional, é um conceito que engloba maior polêmica.

No entanto, embora largamente utilizado, a Convenção não conceituou e nem fixou os critérios de determinação do que considera residência habitual, apenas dispondo que ele deverá ser apurado no momento em que ocorreu o ato ilícito da remoção ou transferência.

Muitas vezes a criança nasce e tem toda sua vida pautada em um determinado país. Um dos pais a leva consigo para outro país e a retém sem autorização do outro, violando o poder parental. Pois bem, a fim de alcançar o conceito de ‘residência habitual’ extraído da Convenção, há que se verificar o que diz nossa legislação. O atual Código Civil brasileiro, mantendo a mesma redação do Código de 1916, optou pelo conceito de domicílio, como o local irradiador dos direitos relativos ao Estado e à personalidade, definindo-o como o lugar em que a pessoa natural estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70).

Não colide, desse modo, a Convenção de 1980 com a legislação brasileira, especialmente o art. 7º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que dispõe:

“A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Desta feita, a Convenção optou pelo termo “residência habitual”, abandonando o termo domicílio, por ser certamente mais fácil de aferir. Acrescentou ao termo residência o adjetivo relativo à habitualidade, qual seja o lar, o teto, a habitação do indivíduo e de sua família, o abrigo duradouro e estável.

No caso em vertente, de acordo com os alcances dos conceitos utilizados em linhas volvidas, tem-se, de forma absolutamente insofismável, a necessidade da aplicação Convenção de Haia, posto que há, a violação a direito de guarda, até então plenamente exercido. Em outras palavras, existe subsunção perfeita da situação in concreto com a previsão do art. 3º da Convenção.

Compete ao Juiz ou Autoridade administrativa responsável pela análise do pedido de retorno, verificar se a criança efetivamente residia no País para o qual se pede a sua volta.

Cumpre mencionar que existem exceções à aplicação da Convenção de Haia:

Artigo 12 – Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a Autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a Autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança.

Conforme se extrai do texto legal aqui aplicável, se tiver decorrido menos de 1 ano entre a data da retenção indevida da menor e o início do processo, a Autoridade judicial DEVE ORDENAR O RETORNO IMEDIATO DA CRIANÇA.

E mais:

Artigo 13 – Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar:

a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou

b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.

Sendo assim, não ocorrendo as exceções constantes na Convenção de Haia deve a criança ser repatriada ao seu país de origem ou habitual.

Advogada formada pela Universidade de Uberaba em 2001. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás sob o nº. 20.975. Pós Graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto de Estudo e Pesquisa Científica sediado em Goiânia/GO e em Direito Processual Penal pela UFG. Profissional atuante em diversas áreas do Direito, sendo que desde o início de sua carreira prestou serviços a escritórios de advocacia de renome no Estado de Goiás. Autora do artigo ‘Os direitos da esposa à luz do Código Civil de 2002’, publicado na Revista do IEPC, ano 2, nº. 3, 1º semestre de 2005. Membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás. Atualmente é sócia do Escritório Guilherme Soares Advogados.

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